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A arquitetura de nossa cidade é, basicamente, e sempre será, como a de qualquer outra cidade – uma das expressões mais significativas do indivíduo e da sua cultura –, pois dela fazem parte os elementos básicos que compõem a estrutura para o que homem desempenhe o seu papel na sociedade.

Falar ou criticar as obras ou o conjunto de obras que formam o cenário de uma cidade, portanto, é uma situação muito delicada pois, criticando a cidade, estaremos criticando seus habitantes, na medida em que, conforme afirma Aristóteles, “o verdadeiro conhecimento das coisas não é o conhecimento das coisas nelas mesmas, mas das causas e razões que as determinam”. Mas como a crítica é necessária e fundamental para que possamos contribuir para uma situação de vida mais moderna e, conseqüentemente, mais favorável entre nós, é preciso que nos arrisquemos, principalmente se as coisas não vão bem e as causas e razões são óbvias.

Não tenho a menor dúvida de que a Niterói de nossos avós era mais bonita do que é hoje. Basta ver as fotografias ou ouvir as histórias, basta examinar a beleza da geografia que nos cercava e descobrir os recantos que nos restam. Nós mesmos, mais jovens, nos lembramos das casas e jardins dos imigrantes que vieram para nossa terra, como os alemães e ingleses, que trouxeram em suas bagagens parte de sua cultura e que, indiscutivelmente, souberam viver aqui e valorizar a nossa cidade.

De repente, porém, veio a especulação imobiliária. Certamente os mais esclarecidos já tinham ouvido falar, mas em geral nossa cidade não estava preparada e achava-se que aquilo era “progresso”. Venderam-se as casas e os jardins, cortaram-se as mangueiras, calaram-se os pianos que tocavam nas casas e que ouvíamos das calçadas, ampliaram-se os clubes, espantaram os pardais da Rua Otávio Carneiro, aumentaram-se os gabaritos dos edifícios e fizeram de nossa cidade o exemplo da antiestética.

Com isso, certos grupos de empresários e políticos se beneficiaram, se enriqueceram e logo mudaram-se para outras cidades, talvez mais humanas e mais bonitas.

É importante contribuirmos para alterar este quadro. É fundamental que nossos habitantes, políticos e empresários atentem para a consciência de um caminho mais humano, sensível e de maior competência social. Tenho quase certeza que não sabem o que fazer, pois se soubessem, sem dúvida não fariam desta forma.

Roland Corbisier, em um trecho de seu artigo Por uma filosofia de uma cidade, publicado no Jornal Crítica, contribui e elucida com muita propriedade aquilo que penso a respeito do cidadão e a sua cidade quando escreve: “construída em função de valores religiosos e políticos, a cidade não tem apenas, nem principalmente, um sentido utilitário e, por isso mesmo, é também obra de arte. Por que são belas essas cidades, como Londres, Paris e Roma, por exemplo? São belas porque não foram construídas por mercadores e comerciantes, banqueiros e agiotas, preocupados apenas com o negócio e o lucro, mas por representantes do poder espiritual e temporal, empenhados em edificar a cidade também como obra de arte, como instância cultural e pedagógica suprema, capaz de contribuir para a formação e educação de seus habitantes. Tais cidades refletem, sem dúvida, em sua forma material e física, a estrutura aristocrática da sociedade que as construiu. Nem por isso, no entanto, deixam de ser obras de arte, na mesma medida em que atendem aos requisitos da unidade, harmonia ou proporção, equilíbrio etc., indispensáveis à realização da beleza.

Essa é uma noção de capital importância, perdidos para nós, especialmente para nós, latino-americanos e brasileiros. Perdemos a noção de que a cidade não apenas pode mas deve ser, toda ela, uma obra de arte, e não apenas conter, como ilhas, obras de arte, que se inscrevem em um contexto não artístico ou antiestético. Pois se os gregos têm razão – e os gregos sempre têm razão -, como será possível educar os seres humanos, nos estreitos limites do ginásio, da academia ou do liceu, se a cidade, desordenada e caótica, em que vivem os educandos, os deseduca, oferecendo-lhes o espetáculo constante da falta de unidade, de harmonia, de proporção, de medida, de equilíbrio, o espetáculo constante da negação da beleza?

Se a educação consiste em formar, em imprimir na matéria humanizável a forma do humano, como pretender formar o ser humano fazendo-o habitar não o cosmo, mas o caos? Os gregos nos ensinaram, entre muitas outras coisas – e de uma vez por todas – que educar não é conviver com a família e freqüentar o ginásio, a academia e o liceu, mas viver na cidade. A cidade é, pois, a principal, a suprema instância pedagógica e, se a cidade, em lugar de ser unidade, ordem, harmonia, proporção e equilíbrio é, ao contrário, desordem, desarmonia, desproporção, desequilíbrio etc., caos e não cosmo, a cidade se converterá na negação da cultura e da pedagogia, contribuindo não para formar, quer dizer, para humanizar o homem, mas ao contrário, deformá-lo ou desumanizá-lo.

 
João Latini